Mundo do Crime e Ordem Pública: realidades justapostas na composição das sociabilidades em um bairro violento
A questão da violência se constitui em um código estruturante das relações sociais em especial nos bairros com a destacada ocorrência de crimes, de modo que os arranjos na relação entre os atores públicos e privados e em suas interfaces manejam os códigos provenientes do mundo do crime para o ajuste de suas sobrevivências. Esse processo social repercute em relações peculiares entre a sociedade civil e do Estado, como a corrupção e a violência policial, ajustes com atores do crime organizado e, no fundo, uma noção de ordem pública arquitetada para a manutenção de uma normalidade particular a esses territórios, marcada pelo medo e pela coação. Com esse horizonte, entre os anos de 2012 e 2014, realizei uma pesquisa no bairro “Furnas-Tremembé”, localizado na cidade de São Paulo, Brasil, região caracterizada por altas taxas de homicídios, pela presença intensa do tráfico de drogas e pelo envolvimento juvenil na prática de roubos. Compõe o quadro altos índices de vulnerabilidade social. Tendo trabalhado como gestor local (Capitão) da Polícia Militar, investiguei, utilizando-me de modelos etnográficos, como se dava a inserção do Estado nas áreas de segurança pública (polícia e Conselhos Comunitários de Segurança), educação e assistência social, em face dos códigos de violência que ora rivalizavam com o Estado, ora se conjugavam a ele. O trabalho aponta que há uma relação entre ordem pública e crime. O que retrato é, sobretudo, as utilizações da violência na gestão de uma ordem social. Nessa medida, diferentemente de concepções mais hegemônicas, a maior presença do Estado não aponta, necessariamente, para saídas nesse problema, ou seja, os meandros sobre o qual o político é construído passa por arranjos mais delicados e problemáticos que simplesmente um incremento da presença estatal. Este trabalho assume relevância nos dias atuais na medida em que o discurso de ordem e combate à violência compuseram de forma preponderante o quadro que percorreu as eleições estaduais e presidencial de 2018, alçando ao plano político-eleitoral uma questão histórica em aberto na democracia brasileira.