Neoliberalismo, Ruptura Democrática e Crise da Saúde Pública: os casos de Brasil e Argentina
O objetivo deste trabalho é refletir sobre os sentidos e os impactos do processo de desmonte das políticas sociais promovido pela onda conservadora latino-americana. Para tal, analisarei o ataque promovido pelos governos de direita ao projeto de saúde pública no Brasil e na Argentina. O atual cenário latino-americano está marcado pela ascensão de uma onda de governos conservadores, cujo espectro se desloca desde a centro-direita até a extrema-direita, e por processos de crise e ruptura democrática, como é o caso do Brasil. Em comum, é possível observar a valorização do ethos neoliberal como forma de sociabilidade, e a assunção de sua racionalidade desdemocratizante como forma de governo pelas direitas. Considero a governamentalidade neoliberal e seu modus operandi autoritário (Dardot; Laval, 2016), processo anterior à ascensão das direitas na América Latina e engrenagem central para o movimento de ataque e desmanche das políticas sociais progressistas implementadas - ou associadas aos - pelos governos de esquerda. Como é o caso da saúde pública, projeto (nesses países) anterior à onda rosa e ligado à luta pela redemocratização. A despeito das diferenças de trajetórias e de projeto entre as experiências brasileira e argentina, os riscos para a manutenção de suas políticas públicas de saúde são elucidativos desse movimento mais amplo. Na Argentina, o governo Macri promove um desmonte institucional através do corte de recursos, esvaziando programas, e dificultando a atuação dos serviços públicos de saúde. No caso brasileiro, o ataque sofrido pelo SUS é, ao mesmo tempo, material-institucional, no sentido da sangria de seus recursos, e das muitas perversões em sua estrutura de gestão (situação agravada pela E.C. 95/2016). E também subjetivo, esvaziando de sentido as concepções de direito social e saúde que legitimam o SUS. São, à primeira vista, intervenções estatais neoliberal clássicas, operariam no reino do econômico, propalando a ineficácia da gestão pública em nome da eficiência do mercado. Entretanto, argumentarei que esse ataque incorpora elementos éticos e morais que constroem uma subjetividade social inserida em um processo de transformação mais amplo, a desdemocratização. Processo que facilitaria e justificaria o esvaziamento dos sentidos das políticas e direitos sociais, e sua desarticulação.