Revolução passiva: conceito, tradução e “apropriação” no Brasil
Pretendemos neste trabalho discutir a “tradução” do conceito de Revolução passiva para o Brasil. Este conceito, formulado por Antonio Gramsci nos Quaderni del Carcere para analisar a formação do Estado unitário italiano, que se deu pelo alto – sem a participação ativa das classes populares –, tem dado mostras da sua validade como critério de análise histórica e guia de pesquisa para diferentes contextos nacionais, principalmente na América Latina. Contudo, uma das dificuldades da tradução do conceito consiste no fato de que a sua utilização em diferentes conjunturas lhe atribui nexos sensivelmente diferentes. Como buscaremos demonstrar, nos Quaderni o conceito passa por um progressivo processo de adensamento desde as primeiras notas, contudo, é possível avançar na tese de que Gramsci não o desenvolveu em todas as suas consequências e, portanto, esta é ainda uma tarefa em aberto. Deste modo, em primeiro lugar pretendemos identificar as especificidades deste conceito, buscando, pelo método genético-diacrônico, acompanhar a composição de Gramsci no cárcere entre 1929 e 1935, nas diferentes notas produzidas em diferentes temporalidades. Na segunda parte da exposição propomos tratar de alguns dos problemas envolvidos na sua “tradução”, enfocando os diferentes momentos de produção, difusão, recepção e apropriação do conceito no Brasil. Desde o final da década de 1960 até o presente existe uma expressiva produção que busca interpretar a formação do Estado brasileiro a partir dos conceitos gramscianos. Há, contudo, importantes debates e polêmicas neste campo, que se referem aos “usos” de Gramsci no Brasil, ainda não suficientemente tratados. Destarte, tomaremos o pensamento de Carlos Nelson Coutinho, tradutor de Gramsci e seu principal intérprete no Brasil, como um “centro produtor e articulador de debates”. As principais interpretações e polêmicas neste campo se desenvolveram a partir da vasta produção do autor, que se estende da década de 1960 até sua morte, em 2012. Desvendar os “usos” de Gramsci no pensamento de Coutinho (e seus críticos) é, portanto, produzir uma história do conceito de revolução passiva no Brasil, o que abre caminho também para avaliar sua viabilidade e seus limites como chave interpretativa da realidade histórica brasileira.