Marxismo, Liberalismo e Direitos Humanos: Diálogos e incompatibilidades

Os últimos anos têm testemunhado deterioração na situação de direitos humanos na América Latina. O mundo assiste a sucessos eleitorais de partidos de extrema direita, retorno de muros, aumento da violência xenófoba, racista, misógina e LGBTfóbica. Consensos celebrados na Agenda 2030 para o Desenvolvimento Sustentável deterioram como exemplificados pelos recém questionamentos ao Pacto Global sobre Migração e ao Acordo de Paris sobre a Mudança do Clima. A linguagem dominante do neoliberalismo praticamente abandona e mesmo ataca a construção histórica dos direitos humanos. Por outro lado, o direito internacional dos direitos humanos ainda tem uma frágil e não consistente defesa por parte das forças de esquerda. O artigo pretende superar um senso comum ideológico que cerca a questão: a de que os direitos humanos seriam historicamente e doutrinariamente vinculados à tradição liberal, enquanto as esquerdas, a partir da obra de Marx, teriam uma posição crítica e adversa à própria noção histórica dos direitos humanos na Modernidade. Para isto, demonstramos, primeiro, que o liberalismo em suas várias épocas e linguagens (conservador, utilitarista e neoliberal) não sustentou uma idéia de direitos humanos tal como hoje se entende. Esta defesa é comum na história e na teoria neoliberal no período pós guerra , época marcada pela dominância do chamado liberalismo social ou keynesiano. Por outro lado, reconhece que a corrente mais longeva e influente da tradição da esquerda no século XX (a tradição marxista-leninista) era teórica e praticamente adversa aos direitos humanos, supostamente alicerçada no próprio pensamento de Karl Marx. A obra de Marx, entretanto, deve ser lida como crítica a uma idéia liberal proprietarista e oligárquica de direitos humanos, típica do século XIX, e, na verdade, defensora de uma visão muito afim ao entendimento contemporâneo de direitos humanos. Tal entendimento continuou no século XX a ser defendida pela chamada tradição socialista democrática ou humanista do marxismo. Esta tradição ofereceu importantes aportes a negociação da Declaração Universal dos Direitos Humanos, dos tratados principais e declarações das Nações Unidas sobre direitos humanos. Na América Latina, espera-se que governos de esquerda do início do século XX, demonstram um maior compromisso com a implementação dos direitos humanos.

Diego Valadares Vasconcelos Neto /Universidade Federal de Minas Gerais