Instituições de controle, deslegitimação política e golpe de Estado
Perspectivas teóricas que avaliam as transformações recentes nas democracias representativas apontam o crescente protagonismo de instituições não-eleitas, que agem como contraponto às instituições representativas submetidas à autorização popular periódica. Categorizadas como ‘autoridades independentes’ ou ‘autoridades imparciais’ por autores como Pierre Rosanvallon (2006, 2008) as organizações midiáticas e judiciais, junto a outros agentes desprovidos de autorização eleitoral funcionariam como ‘medidores de saúde democrática’ e ensejariam novas formas de legitimidade, em um contexto de desconfiança generalizada nas instituições políticas, e de um sentimento de crise de representação. A autoridade dessas instituições se assentaria numa premissa de imparcialidade, em contraste com a autoridade proveniente das urnas. Idealmente definidas como mecanismos de controle dos representantes eleitos, as funções contrademocráticas desempenhadas pelas tais autoridades imparciais concorreram de fato para o colapso da democracia brasileira com a deposição ilegal da presidente reeleita Dilma Rousseff, em 2016; e com a prisão igualmente ilegal do presidente Lula e a cassação de seus direitos políticos que o impediram de concorrer no pleito de 2018. O provimento de informações sobre a vida pública é central para o bom funcionamento dos mecanismos de accountability, e imprescindível para o sistema de freios e contrapesos. A teoria política, porém, de um modo geral, tradicionalmente coloca a questão nos termos da existência de “fontes neutras de informação” (Dahl, 1989; 1997); em consonância com o paradigma dos “efeitos limitados” (Lazarsfeld, 1940) e a teoria da “responsabilidade social do jornalismo” (Siebert, Peterson e Schramm, 1956) no campo da pesquisa em comunicação, ao omitir da análise os interesses das instituições midiáticas organizadas em um modelo de exploração comercial. Dessa maneira, questões como a concentração da propriedade dos meios, a formação de monopólios, oligopólios e propriedade cruzada, que constituem sérias ameaças à política democrática ao reduzirem drasticamente a possibilidade de expressão de vozes dissonantes no debate público (Marinoni, 2015), são desconsideradas. Argumento que a criminalização da política eleitoral fomentada tanto pelos oligopólios da mídia tanto como pelo discurso acadêmico, legitima grupos e corporações que se apresentam como imparciais enquanto levam a cabo uma agenda política contrária à vontade popular expressa nas urnas.