Poder judiciário, deslegitimação da política e o golpe de Estado no Brasil
A existência de um aparato judicial para a defesa dos direitos e garantias fundamentais, um dos pilares do Estado democrático de direito, nas democracias representativas, é parte imprescindível de um sistema de freios e contrapesos, assim como o provimento de informações sobre a vida pública é central para o bom funcionamento dos mecanismos de accountability. Tanto a imprensa como o judiciário têm sido apontados como instituições que têm adquirido proeminência diante da alegada crise de representação democrática. A ideia de judicialização da política, usada para descrever a emergência dos atores do direito estatal no cenário político, costuma ser justificada como resultado da crise de representação, principalmente nos países que testemunharam a consolidação e o declínio do Estado de bem-estar social. Embora nesses cenários a judicialização seja frequentemente defendida como uma forma de defesa dos direitos de cidadania, especialmente nas áreas do meio ambiente, consumo e direitos humanos, no cenário brasileiro as peculiaridades da conjuntura política recente apontam para permanências autoritárias, sobretudo por sua vinculação a uma compreensão de Estado punitivo. Apesar do fortalecimento das instituições de controle promovido ao longo dos quatro mandatos sucessivos de governos trabalhistas, o poder judiciário brasileiro, em vez de garantir a qualidade da representação democrática, tem atuado no sentido oposto, sendo um dos principais agentes resposáveis pelo colapso da democracia brasileira. Por meio da prática ostensiva do lawfare, articulada à cobertura midiática antipolítica, as instituições contramajoritárias resultaram na deposição ilegal da presidente Dilma Rousseff, em 2016, e na prisão igualmente ilegal do presidente Lula da Silva que o impediu de concorrer no pleito de 2018. Ao contribuir para a deslegitimação da política eleitoral, as instituições midiáticas abriram caminho para a legitimação das autoridades judiciais e representantes funcionais. Autorizados em caráter vitalício por concurso público em vez de submetidos à eleições periódicas, sua legitimidade se assenta numa ideologia meritocrática que se contrapõe à legitimidade eleitoral dos representantes do povo, em acentuado declínio de confiança. Assim, setores do judiciário agem politicamente revestidos do manto da imparcialidade e da expertise, ao mesmo tempo em que deslegitimam o campo político segundo critérios ideais do julgamento moral imparcial.