Solidariedade e Conjunturas Críticas: migrações e sistemas de proteção aos refugiados nos países latino-americanos

Historicamente, os movimentos migratórios oriundos da América Latina têm como destino principal países não pertencentes ao continente latino-americano. Um exemplo frequentemente mencionado é o das ditaduras civis-militares dos anos 1970, quando quase 80% dos deslocamentos de latino-americanos tinham como destino países desenvolvidos de outros continentes. Recentemente, entretanto, dados da Organização Internacional de Migração apontam nova tendência. De 2009 a 2014, a migração entre os países latino-americanos registrou aumento de 51%. Tal fenômeno é explicado pelos processos de redemocratização ocorridos em países da América Latina e pelo desenvolvimento econômico da região, além do aumento da xenofobia nos países desenvolvidos. Esta tendência migratória explica-se também pelo cenário mais restritivo das políticas migratórias na Europa. Algo que ocorre, sobretudo, em decorrência do agravamento de crises humanitárias em países do Oriente Médio e da África. Conjunturas que desencadearam uma crise migratória na União Europeia, com a entrada de grandes fluxos de refugiados nos países do bloco. A crise econômica e política na Venezuela tem desencadeado nova crise migratória na América Latina, cujos números absolutos já ultrapassam o da crise europeia: estima-se que 2,3 milhões de venezuelanos tenham deixado seu país de origem nos últimos dois anos (equivalente a aproximadamente 7% da população da Venezuela), em comparação aos 1,8 milhão que se deslocaram para a União Europeia em quatro anos. Quatro países têm sido mais afetados por este novo fluxo migratório: Equador, Colômbia, Peru e Brasil. Assim, propõe-se neste artigo a comparação das políticas migratórias e dos sistemas de proteção aos refugiados e solicitantes de refúgio adotadas nestes países da América Latina à luz dos principais instrumentos jurídico-normativos regionais e internacionais de proteção, entre os quais a Declaração de Cartagena de 1984. Instrumento que rediscute o conceito de refugiado face as singularidades do contexto latino-americano, ao incorporar à definição, além do disposto na Convenção de 1951 e no Protocolo de 1967, o indivíduo em fuga de seu país de origem, devido à ameaça à sua vida, segurança ou liberdade em decorrência de violência generalizada, agressão estrangeira, conflitos internos, violação sistemática de direitos humanos ou outras circunstâncias que perturbem de forma contundente a ordem pública.

Ana Flavia Pereira Ventura /Universidade Federal de Sergipe