Quem vai cuidar? Formação de agenda e tomada de decisão na construção do Sistema Integrado de Cuidados do Uruguai.
A América Latina encontra-se em processo acelerado de envelhecimento populacional, fenômeno que tem impacto significativo em estruturas econômicas e sociais vigentes. Uma consequência importante é o aumento do número de pessoas que dependem do auxílio de terceiros para o desempenho de atividades da vida diária. O Uruguai foi o primeiro país latino-americano a aprovar uma política de cuidados para pessoas dependentes na perspectiva contemporânea, em que o envelhecimento populacional constitui um novo risco social a ser incorporado aos sistemas de bem-estar. Quais fatores possibilitaram a ascensão da temática dos cuidados à agenda política uruguaia? Que aspectos foram decisivos para a aprovação do projeto de lei no Parlamento? O objetivo deste trabalho é apresentar respostas a essas questões a partir da aplicação empírica da abordagem teórico-metodológica Multiple Streams Framework (MSF), acrescido de refinamentos propostos pela literatura especializada. Ademais, por meio da utilização do método de process tracing, procede-se à testagem e confirmação da presença dos mecanismos causais referentes ao MSF, no estudo de caso. Os resultados apontam que o MSF, com os refinamentos acrescentados, mostrou-se satisfatório para explicar o processo de mudança na política pública de cuidados do Uruguai, tanto na fase de formação de agenda quanto de tomada de decisão. Os achados indicam que, diferentemente do que ocorreu em reformas dessa política nos países desenvolvidos, o movimento feminista foi o principal grupo de pressão para a inclusão do direito ao cuidado na matriz de proteção social estatal e delineamento de um sistema de provisão fundado na corresponsabilidade entre família, estado, sociedade civil e iniciativa privada, com perspectiva de gênero. Aspectos como o déficit de cuidados para crianças na primeira infância, pessoas com deficiência e idosos dependentes; a ascensão e permanência de um partido de centro-esquerda (Frente Amplio) no governo nacional, com maioria absoluta no Parlamento; e a atuação de organização da sociedade civil de perfil feminista como empreendedora da política pública possibilitaram a ascensão da temática à agenda governamental e decisória.