Juristas contra a democracia: usos do direito e desintegração democrática no Brasil pós-2014

Como formuladores de discursos e práticas que mobilizam a atuação das instituições estatais não adjudicantes encarregadas da interpretação do direito, os juristas tradicionalmente ocupam no Brasil um lugar de destaque também na orientação da política. Seja a partir da articulação de críticas abertas ao comportamento de agentes públicos e do sistema político ou através da incorporação do próprio engajamento às suas práticas profissionais, as manifestações dos juristas – em especial dos juízes e promotores, adquirem, por sua vez, significativo potencial de (re)inserção de conteúdos normativos particularistas nas respostas oferecidas pelo sistema jurídico. Essa é uma perspectiva que ganha relevância quando observado o acesso diferencial à informação e circulação de ideias num ambiente social estruturado a partir de condições tão desiguais quanto as que separam sobrecidadãos e subcidadãos no Brasil. Com posições anticonstitucionais, tais juristas parecem ignorar constrangimentos constitucionais elementares para a transição democrática brasileira, favorecendo lógicas exclusionárias e de desigualdade de elites seculares. Nesse sentido, considerando a centralidade adquirida pelas respostas judiciais na avaliação difusa sobre a legitimação do exercício do poder político no Brasil após os efeitos da chamada Operação Lava-Jato, além das evidências extraídas de pesquisas sobre a confiança dos brasileiros nas instituições e no regime democrático do país, o presente trabalho levanta a hipótese de que, ao se apresentarem como agentes da legalidade ao tempo em que violam as expectativas normativas, juridicamente consolidadas, a atuação de magistrados e promotores contribui para o aprofundamento da crise político-institucional brasileira e manutenção de engenhos exclusionários. Por fim, questiona-se o modo como a instrumentalização das formas jurídicas incentivam os usos não democráticos do direito e reforçam a progressiva desintegração da democracia no país no pós-2014.

Alexandre Douglas Zaidan de Carvalho /Universidade Católica do Salvador
MAURICIO RESENDE PALMA /Universidade de Brasília