Questões de método na investigação das imbricações entre processos históricos e a formação do campo cinematográfico
Nos últimos anos, temos lido e ouvido declarações que preconizam imbricações esclarecedoras e instigantes a respeito das camaradagens, embora silenciosas, entre a reprodução cultural e a reprodução social, trazendo ao primeiro plano o modo pelo qual certas dinâmicas de opressão entre as classes sociais não se fixariam de modo tão avassalador sem o respaldo de sistemas simbólicos de legitimação – sejam eles bens de salvação ou culturais –; sistemas cuja função social maior radicaria, simplificando, a reposição de interesses econômicos prevalecentes. Sem ignorar a importância de certa sociologia da cultura, nosso intento aqui será de outra ordem, nomeadamente o de caprichar a atenção, o máximo possível, para a possibilidade de que talvez as esferas não culturais tenham exercido sobre a formação de campos culturais ações cruciais. Desse modo, o problema metodológico que apresentaremos, na esteira de Michel Foucault, consiste em recusar a premissa de que esses campos culturais teriam sido uma estratégia acrescentada de fora e posteriormente sobre um campo cultural pré-existente, que ampararia uma ordem social muitas vezes questionada em termos éticos. Sendo assim, buscaremos mostrar que é possível acompanhar a exposição da íntima relação entre o processo histórico de constituição de conceitos e práticas não estéticas, por um lado, e a organização interna da experiência cinematográfica, por outro. Ou seja, trata-se de mostrar a penitência metodológica de pesquisas que se esforçam por trazer à baila a dimensão não cultural da cultura, sem supor de antemão que esta seja apenas um reflexo de interesses de grupos sociais específicos. Em suma, ao final do presente percurso investigativo, tentaremos chamar a atenção para a possibilidade de que outros pesquisadores reivindiquem outras filiações para a construção de uma história do cinema, em particular, e da história da cultura, em geral. Na perspectiva genealógica aqui adotada, a regionalização do campo do cinema como uma prática autônoma resultaria, pois, do esquecimento de empréstimos e combinações que informaram o ato de assistir às narrativas fílmicas. No entanto, tal esquecimento é, antes de mais nada, um problema metodológico, mais especificamente um problema ligado à falta de reflexão sobre certos aspectos metodológicos de estudos políticos e sociais.